Entre a loucura e a criatividade, existe o foco






Quando eu era criança,  adorava ouvir minha mãe contando sobre os tios delas que eram meio gênios, meio loucos. Tinha um que tinha "inventado" um violino.  Parece que ele só tinha visto um violino uma única vez na vida, numa apresentação de uma orquestra de Natal, que viera de muito longe, prá tocar no coreto da cidade, naquele mês de dezembro. Ele voltou para o sítio tão encantado com o instrumento, que o desenhou numa folha de papel de pão, para não esquecê-lo jamais. Durante meses, ele passava horas admirando aquela imagem, contava minha mãe, com os olhinhos marejados de lágrimas. 






Então, um dia ele decidiu tirar o violino do papel. E como ele fez isso? Bom, primeiro teve que derrubar uma árvore, cortar o seu tronco num pedaço que ele julgou apropriado para o tamanho da peça, e começou a esculpir o violino nessa madeira. Estaria ele criando uma oficina ou o embrião de uma futura fábrica de instrumentos musicais? Era o que todos queriam saber, nas redondezas. Minha mãe dizia que as pessoas viajavam léguas, prá vir vê-lo tocar o seu violino, sentado em uma cadeira que ele colocava no alpendre, todos os finais de tarde. Nos finais de semana, amigos vinham de longe, com suas rabecas, violas, violões, e eles ficavam horas, tomando vinho e fazendo serenatas para a lua. 

Ela se lembrava de um outro tio que montara uma pequena usina geradora de luz, a partir de uma queda dágua no sítio, numa época em que só se usava lamparina. Ela contava com riqueza de detalhes sua proeza. Num tempo em que não havia escolas, livros, bibliotecas, e muito menos informação gratuita e à disposição das pessoas, como existe hoje, deve ter sido um feito e tanto. Esse outro tio de minha mãe, pelo que ainda me lembro de suas estórias, nunca tinha frequentado uma escola, e aprendera a ler e escrever sozinho, com almanaques de farmácias e as revistinhas da coleção Reader´s Digest, que meu bisavô assinara para os filhos, mesmo que ninguém em casa soubesse lê-las. Até os postes de luz, ele os fabricou, manualmente, a partir de troncos de árvores, também, derrubados de sua propriedade. Usou rodas de carroças para fazer os moinhos, e toda sorte de sucatas que foi encontrando no velho sotão, até que sua mini-usina produzia energia suficiente pára iluminar toda a casa, à noite.  Ela dizia que era a única casa de sítio à época -- devia ser entre os anos 20 e 40 -- que podia se dar ao luxo de ter luz elétrica, pois quase tudo, ainda,  era feito com a força dos burros, que giravam os moinhos, produzindo energia para fabricar açúcar e outros produtos de primeira necessidade. Luz, mesmo, só de lamparina à querosene. 




E eu ficava absorvendo cada letra, cada palavrinha, com o mesmo entusiasmo da
queles velhos tios, megacriativos, mas, infelizmente, sem nenhum foco. Não me lembro direito, mas acho que todos sem exceção, morreram loucos ou abandonados em asilos ou manicômios. Hoje, olhando prá minha vida e meus irmão, percebo que trouxemos o DNA da criatividade e do empreendedorismo no sangue. É genético. O que não significa sinônimo de sucesso, absolutamente, se não houver estudo e muito foco. É isso: entre a criatividade e a loucura, reside o foco e toda sua luz . Mas poucos conseguem concentrar-se nessa luminescência transformadora. 








Comentários

mulher gato disse…
Que vida bonita eles tiveram...parece que viveu com anjos...eles são lindos!
Flavio Ferrari disse…
E a grande pergunta é se eles realmente não tinham foco. Certamente não eram "produtivos" do ponto de vista capitalista. Mas talvez tenham sido mais felizes do que seriam se tivessem se transformado em "homens de negócio".
Flavio Ferrari: obrigada por seu comment no meu post. eu sou uma moça tão organizada com minhas publicações, que só hoje, um ano e meio depois, descobri-o, aqui. Pessoa herdou o DNA dos tios "loucos", sem duvida alguma. Criatividade a mil, muitas iniciativas e nenhuma acabativa.
bjs carinhosos.

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