As marcas e os protestos: com as devidas apropriações




por

Elizete de Azevedo Kreutz,

Desde os primórdios, o homem necessitou (desejou) deixar suas marcas por onde passava, os registos datam cerca de 5 mil anos em vasos de cerâmicas, ossos de animais ou pedras. As marcas são formas de identificação e expressão do ser humano e é por meio delas que nos manifestamos e sempre as resignificando a cada momento.
O Brasil vive um momento histórico de protestos populares contra a corrupção, pela reforma política, por melhorias na saúde, na educação e entre outras reinvindicações, cujas bases são o respeito e a dignidade ao povo brasileiro. Os protestos tiveram como estopim o aumento das passagens do transporte público, mas isto era apenas uma das inúmeras causas representadas, a gota d’água que faltava para transbordar o Atlântico, inundando as ruas do Oiapoque ao Chuí e as manchetes dos jornais do mundo inteiro.
A tecnologia no ativismo e a comunicação não controlada das redes trouxeram a possibilidade de re-unir o povo por meio da organização horizontal. E em pleno País do Futebol-Arte, a manifestação impetuosa, mas pacífica (apesar de alguns incidentes, ânimos alterados e aproveitadores), teve início juntamente com a Copa das Confederações, um momento propício para destacar os contrastes: os gastos do dinheiro público para preparar o país para a Copa do Mundo (e Olimpíadas) X os investimentos em prol da população;  a comemoração X contestação; alegria X tisteza; riqueza X pobreza…
Qualquer ação coletiva depende de uma mensagem que reverbera na consciência do povo e “o gigante acordou e foi pra rua”! Esta é uma frase emblemática, uma apropriação criativa da publicidade de duas marcas comerciais, Johnnie Walker e Fiat, que se tornaram o hino das manifestações. Outras marcas se fizeram presentes: Coca-Cola, Mentos, Facebook, Halls e Globo, cada uma devidamente contextualizada e resignificada.
fiat.001As marcas sempre se apropriam dos valores e desejos dos públicos para criarem suas campanhas e conquistá-los. Pouco antes das manifestações, a Fiat lançou a campanha “Vem Pra Rua” criada especialmente para a Copa das Confederações, que une as duas paixões dos brasileiros: carro e futebol. Além da apropriação da frase em cartazes, das imagens e da música, o uso da hashtag #vemprarua era uma constante nas redes sociais.
gigante.001Em 2011, Johnnie Walker fez uma comunicação específica para o Brasil para demonstrar a importância do país para a marca: “O gigante não está mais adormecido. Keep Walking, Brazil”. Embora não tenha havido uma citação direta da marca ou à campanha, o uso das imagens do filme publicitário vincularam a mesma aos manifestos.
Já a Coca-Cola apareceu em cartazes em momentos distintos. Um vinculado à “Geração Coca-Cola”, música da Legião Urbana, banca de rock brasileira que se caracteriza pela crítica social musical. Em outro, Coca-Cola com a marca Mentos, “Jogamos Mentos na Geração Coca-Cola”, sem dúvida traz uma combinação explosiva que dispensa explicações.
O uso da marca Halls (bala/doce) fazia um trocadilho com as balas de borracha dos policiais que eram usadas para dispersar e reprimir os manifestantes: “Odeio bala de borracha. Me joga um Halls”. E o Facebook não poderia ficar fora das manifestações. Uma das principais redes que mobilizou o povo brasileiro a “sair dela” é sinal de que sua ação foi efetiva: “Saímos do Facebook” ou com complementação “Saímos do Facebook e fomos para a rua” ou ainda “Saímos do Facebook e entramos p/ a História”. Já a Globo, a maior rede de televisão do Brasil, não recebeu elogios dos participantes, pelo contrário, foi um dos mais significativos antibrands da manifestação.
Durante as manifestações, algumas marcas quiseram “aproveitar” o momento para se promoverem e isso já não funciona. Se a marca não estiver verdadeiramente vinculada a este espírito, será repudiada pelo público que ela pretende persuadir e classificada como oportunista. Outras se conectam perfeitamente ao tema e ganham a simpatia do público por apoiarem a causa. De todas as maneiras, temas polémicos merecem cautela.
Na “Copa das Manifestações”, a marca da presidente Dilma Rousseff caiu 27 pontos em três semanas, de 57% para 30% de aprovação de seu governo (Datafolha, 2013). A desatenção aos desejos e às necessidades é um ultraje dos governantes que fortalece o povo para reivindicar seus direitos. Esta lição já é antiga: o respeito e o comprometimento com seu público é dever de qualquer marca.

Elizete de Azevedo Kreutz, Presidente do Observatório de Marcas, Editora Regional da revista científica BrandTrends e professora-investigadora da Univates - Brasil

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