"Selfie" é nova maneira de expressão. E autopromoção

Justin Bieber, famoso por fazer seus próprios autorretratos e
divulga-los nas redes. Expert em autopromoção, já virou empresário
de uma star-up de apps. de selfies. Negócio milionário.


A mania é esticar o braço segurando o celular apontado para o rosto e espalhar a foto produzida nas redes. Há várias razões para isso


Na última quarta-feira, o respeitabilíssimo Dicionário Oxford, o mais extenso da língua inglesa, anunciou que um novo verbete passaria a figurar em suas páginas: selfie, que reúne o substantivo self (eu, a própria pessoa) e o sufixo ie. Eis sua definição: "Fotografia que alguém tira de si mesmo, em geral com smartphone ou webcam, e carrega em uma rede social." Os responsáveis pelo Oxford informaram que o dicionário surgido no século XIX aceitou o novo verbete porque as citações a selfie cresceram 17.000% neste ano — mensalmente, um programa coleta mais de 150 milhões de palavras em publicações variadas e analisa a recorrência delas. O ingresso do termo no Oxford, no entanto, não é apenas fruto de uma estatística. É o reconhecimento de um fenômeno global. Tornou-se um gesto comum esticar o braço segurando o celular apontado para o rosto, e depois compartilhar a foto no Instagram, Facebook ou similares. O selfie pode revelar um estado de espírito ou ser um meio de autopromoção. Anônimos e famosos aderiram. Em excesso, selfies podem até fazer mal, alertam psicólogos.

 
Nova-iorquina fazendo um selfie diante das famosas imagens de Bansky
em Londres.

O selfie não é invenção do mundo digital, é bom frisar (mas é igualmente importante reconhecer que a tecnologia transformou a prática). O primeiro registro reconhecido como tal data de 1839, assinado pelo fotógrafo Robert Cornelius. Os adolescentes também abraçaram a ideia muito antes do Instagram. Em 1914, Anastasia Nikolaevna, de 13 anos, filha do czar Nicolau II da Rússia, posou em frente a um espelho. Logo após o retrato, disse: "Foi muito difícil, minhas mãos tremiam." O próximo passo, é claro, foi compartilhar a imagem com os amigos. Sem acesso ao Facebook, usou cartas.
O autorretrato é um gênero antigo. Há relatos de que, no século V a.C., Fídias deu a uma escultura do templo de Parthenon, em Atenas, seu rosto. Mas foi só no Renascimento que o gênero ganhou força, expandindo a capacidade de expressão artística. Munidos de espelhos de grande qualidade, que então se popularizavam, mestres usaram o autorretrato como caminho para o autoconhecimento: as criações intimistas revelaram vários estados de espírito — um contraponto a temas como a narrativa épica e o convívio social. Artistas como o alemão Dürer (1471-1528) e o holandês Rembrandt (1606-1669) foram pródigos na arte, retratando várias vezes o próprio rosto. Ao mesmo tempo que revelavam a si mesmos, construíam uma imagem pública.
No mundo digital, a brincadeira se espalha à exaustão graças à mistura de dois ingredientes, hardware e software. "Os selfies ganharam relevância depois do lançamento das câmeras que transformaram smartphones com conexão à internet em máquinas fotográficas. E como todo hardware precisa de software, o Instagram teve papel indispensável", diz a psicóloga Luciana Nunes, mestre em saúde mental, diretora do Instituto Psicoinfo e estudiosa da relação entre tecnologia e compartamento. O Instagram tem números para sustentar a tese da especialista. Nos três anos de vida da rede de fotos, mais de 60 milhões de imagens publicadas no serviço carregam a hashtag selfie. O número supera a soma de citações de outras marcações importantes da rede: #cats (gatos), #look (visual, estilo) e #eat (comer).
Amigas registrando o momento feliz, durante estadia em Barcelona.
Na leitura da psicóloga brasileira, há três grupos bem definidos de autores de selfies. O primeiro é formado pelos exibicionistas. É gente que costuma parar diante do espelho do elevador ou da academia e exibir para a câmera, por exemplo, os resultados da malhação. O segundo reúne aquelas pessoas que querem apenas mostrar seu estado de espírito – felicidade ou tristeza ao acordar, ao encontrar um amigo etc. Por fim, tem o time que quer mostrar que está em algum lugar, parque ou shopping, por exemplo, desde que a paisagem não ganhe mais importância do que o autor.
Majoritariamente, os selfies são produzidos por jovens com idades entre 13 e 24 anos. Nove em cada dez pessoas desse grupo postam os autorretratos, revelou o instituto americano Pew Internet Research em estudo realizado em maio com adolescentes americanos. "O selfie permite que você mostre seus sentimentos sem artifícios, sem uso de filtros que distorcem fatos", diz o vietnamita Joshua Nguyen, criador do Selfie, primeiro aplicativo exclusivamente dedicado aos autorretratos. Em geral, esses apps dedicados possuem apenas três botões: um para capturar a imagem, outro para programar o instante em que a foto será feita (temporizador) e, finalmente, um para compartilhar o produto nas redes sociais. Na semana passada, Nguyen ganhou um concorrente de peso, o Shots of Me, app bancado, entre outros investidores, pelo cantor pop canadense Justin Bieber — um dos maiores disseminadores de selfies, aliás — que colocou 1,1 milhão de dólares no negócio. Onde há selfie, pode haver dinheiro.
Bieber, é claro, não foi o único famoso a explorar os selfies. As cantoras Rihanna e Lady Gaga, os atores Ashton Kutcher e Demi Moore e subcelebridades como Kim Kardashian aderiram. O formato ganhou tamanha força que rendeu também brincadeiras com famosos que jamais se aproximaram dele. Hoje, já é possível encontrar nas redes o príncipe William, herdeiro do trono inglês, esticando o braço para fazer uma fotinho do beijo real com Kate Middleton. Até o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e a ex-primeira-dama americana Jacqueline Kennedy ganharam selfies forjados. Parece improvável que gente tão discreta aderisse à moda. Mas o resultado é divertido.






Tanta autoexposição pode ter um preço, dizem alguns psicólogos. "Selfie é uma nova maneira de expressão. Doses excessivas, contudo, podem ser nocivas a seus praticantes", diz Larry Rosen, professor de psicologia da Universidade da Califórnia e uma das autoridades quando o assunto é a relação entre homem e tecnologia. Rosen defende que o componente eminentemente narcisista do selfie pode induzir transtornos de personalidade, intensificando traços de agressividade e reclusão. 












Fonte: Revista Veja 

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