OVERDOSE DE TRAGÉDIAS

 Meu estoque de fortes emoções está no fim. Será que o mundo pode esperar por uma recarga rápida? Um fim de semana sem catástrofes, será que é pedir muito? Será que estamos vivendo uma greve branca dos anjos? Deus renunciou ao posto e saiu à francesa? São Pedro trancou os portões dos céus e jogou as chaves fora?

Tô começando a crer que viver num mundo interconectado demais faz mal ao coração. Como cigarro, bebida, ou outra droga qualquer. Não dá tempo nem de assimilar uma tragédia e lá vem outra, pior ainda. Quando as notícias chegavam via ondas dos rádios, telex, fax, só no dia seguinte, impressas nos jornalões, tínhamos tempo de saber e depois assimilar a dor dos mortos -- nossos ou dos outros -- no jantar à noite, vendo novela, ou tomando chopp com os amigos, no pé sujo da esquina. Ou de mastigá-la com café preto e pão dormido, no outro dia, de manhã. Havia tempo prá enxugar as lágrimas. Sinceras ou de crocodilos.

Agora, não. Vivemos aos sobressaltos. São tragédias que se superpõem umas às outras. Diariamente. Como tintas de uma tela, que nunca mais se acaba de pintar, em camadas. E o trabalho desse artista macabro vai ficando horrendo, pois ele não espera que as camadas de tinta fresca, sequem com o tempo. Tempo? Tempo não há mais. Não sei nem porquê ainda usamos relógios. Enquanto isso, o sangue das vítimas escorre, e mistura-se com o de outras vítimas, num ritual de arte e fúria dos deuses. Estarão eles engendrando o fim dos tempos? Essa é uma tela que nem Picasso conseguiria pintá-la.
Imagem: Guernica - Pablo Picasso, 1937

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